Escrever um poema para cobrar uma indenização de CZ$ 70 mil foi a idéia inusitada do médico Marcelo Toledo, radiologista da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital Universitário, que pretendia dessa forma cobrar do então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, o pagamento dos prejuízos que teve com a queda de uma árvore sobre o seu automóvel em uma véspera de Natal. E foi também com um poema que Jânio autorizou o pagamento da indenização, por julgá-la procedente, e encaminhou o seu despacho ao Secretário Municipal de Finanças, Manhães Barreto.
Para quem conhece o passado do ex-prefeito paulistano, sua resposta não chega a ser surpresa, pois quando estudava na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, pertenceu à Academia de Letras da Escola e publicou várias poesias na revista do Centro Acadêmico 11 de Agosto.
Os dois poemas foram publicados na íntegra no Diário Oficial do Município de São Paulo.
O radiologista Marcelo Toledo, já falecido, dizia ser “médico por profissão e poeta por opção”. Além de poesias, escreveu contos e também revelou-se um fotógrafo de peculiar senso estético. Chegou a publicar livros independentes como “Anatomia Topográfica” e “Contos, Crônicas e Poesia”. Neste último, à página 46, está a curiosa petição enviada a Jânio Quadros. Nas quadrinhas, o lamento do médico:
PETIÇÃO
Excelentíssimo Senhor
Jânio da Silva Quadros
Prefeito do Município
Minha história de Natal
a começar do princípio
vem dum fato trivial:
uma árvore que morreu
nas ruas da capital
Só que o carro era o meu
o que se vê no postal.
Foi isso que aconteceu
na véspera do meu Natal.
Não ventava, nem chovia
era um dia bem normal
e meu carro, junto à guia
parado, em lugar legal.
Quem vive da Medicina
não pode – como direi? –
se uma árvore cai em cima
substituir um Del Rey.
Não era novo, era usado
do ano oitenta e um
eu já estava acostumado
não trocava por nenhum.
Agora está na oficina
com os carros remendados
e o orçamento, imagina,
são setenta mil cruzados.
Junto vai meu hollerit
pra mostrar a situação
de quem cura apendicite
na barriga do povão.
Eu digo, com muita dor,
exercer a Medicina
na função de professor
é uma dor que desatina
profissional de valor.
Em qualquer país distante
se ensina só Medicina
mas não cabe numa estante
o ensino que aqui se ensina.
Pois num país como o nosso
cada médico precisa
lembrar-se, ter a certeza
que ao lado da doença,
há também que combater
miséria, atraso e pobreza.
Se assim escrevo ao senhor
é pra pedir um conselho;
e me diga, por favor,
como fosse caso alheio.
Como devo proceder
para ser indenizado?
Ou o destino assim quis,
sou eu que sou azarado?
Sou homem de estimação
educado com ternura
não quero mover ação,
importunar Prefeitura!
Espero que sua resposta
influa na vida minha.
Ou a vida é sem resposta,
e sem rumo é que caminha?
Na resposta, Jânio manda pagar:
O bom médico Toledo
pediu indenização
e requereu-a sem medo
de receber o meu “não”.
A árvore caiu por cima
do carro de estimação
e ele menciona a sina
que parece maldição.
O vegetal era nosso
como a prova a petição;
devo pagar, e eu posso,
a pobre indenização.
O remédio, pois, eu acho
é saldar o prejuízo;
assim decido e despacho
ao Manhães que tem juízo.